1.8.09

Vende-se um herói

Sentado sobre o sofá lá estava ele, Ulisses, com o controle remoto em uma das mãos assistindo um dos inúmeros canais da televisão em que colocam uma mulher gostosa pra fazer alguma espécie de jogo com o puro objetivo de mostrá-la em trajes sumários.
Passou pelo canal e parou, ficou lá apreciando o contraste daquela bunda enorme com aquele short minúsculo, com seus quase 80 anos era a única coisa que lhe restava fazer, depois de um tempo observando seu olhar foi distante, olhava a TV, mas seu pensamento estava em outro lugar, tinha uma aflição no olhar “Será que a morte esqueceu de nós, Elza?” perguntou à sua mulher que simplesmente lhe repreendeu como qualquer senhora conformada e religiosa faria.





Ulisses, porém não era conformado, e naquele momento havia se dado conta que a vida não fazia mais sentido, se sentia como alguém que passou as férias inteiras sem fazer nada e quis viajar no ultimo dia. Ele que diversas vezes deu uma pausa em seus planos, percebeu que o tempo nunca deu pausas, aos 20 anos achava que tudo era distante, mas segundo a segundo foi consumido pelo tempo. Sequer percebeu isso, simplesmente acordou e um dia e nem o velho tesão do mijo tinha mais, o que sobrou foi a memória de ter desperdiçado toda a existência num casamento sem-graça, num empreguinho medíocre e tendo como máxima aventura as festas infantis dos familiares.

A vida inteira fazendo planos, procurando rumos, pra no fim perceber que nunca houve um rumo, lamenta não ter fé pra acreditar no Paraíso, assim poderia manter a esperança do bom Deus lhe dar uma segunda chance.


Ficou ali no sofá paralisado algum tempo, depois voltou a si e sorriu, na televisão a modelo falava sobre seu ensaio fotográfico, “Ensaio fotográfico são meus bagos!!!” gritou o velho, que pegou o seu casaco e saiu rumo ao centro da cidade. Lá entrou no primeiro bar que viu, sentou no balcão pediu um Uísque (isso escrito assim), lá viu alguns jovens falando sobre a crise econômica, eram muitos deles, cada um expondo sua opinião com suas camisetas pretas de bandas. Ulisses gritou alto “Crise econômica são meus bagos!!!” todos começaram a rir, Ulisses deu mais um gole no Uísque e começou a falar em tom de discurso:


- O que é crise econômica pra quem viveu uma vida inteira trabalhando, pra quem desperdiçou toda a juventude com empregos que odeia pra tentar realizar o sonho que lhe foi vendido durante toda a vida: casa própria, carro, mulher, filhos, cachorro no quintal, churrascos no domingo... Que merda é essa que vida fantasiosa é essa? Vocês ainda acreditam nisso? Lhes deram um roteirinho e vocês todos vão tentando segui-lo, eu perdi minha vida seguindo isso!

Nisso um rapaz com uma camiseta abaixo o capitalismo gritou do fundo :
- É isso aí, não vamos trabalhar porra nenhuma!,
- Silêncio cretino, você não entendeu! Aqui ninguém é Hippie, eu sei que você só queria uma desculpa pra fazer do pijama seu uniforme de trabalho! Disse Ulisses para a euforia geral, todos começaram a gritar dentro do bar “Tiozão!!! Tiozão!!! Tiozão!!!!” mesmo com ele mandando-os calar a boca.

- Nem que eu tenha que beber esse bar inteiro, mas descubro o que é que eu tinha na cabeça quando achava que usar gravata é sinal de status, mesmo comendo o pão que o capeta amassou! E o que eu ganho por ter sido uma simples engrenagem na máquina social? Uma esmola, um corinho de rato pra não morrer de fome, umas filas preferenciais no banco pra eu ter um pouquinho mais de tempo pro meu tédio, para que eu tenha mais tempo de ver mulher gostosa na TV e lembrar de minha disfunção erétil!

Depois de falar isso o velhote sentou e voltou a beber, o pessoal começou a lhe pedir que falasse mais que desabafasse mais um pouco:

- Vocês realmente querem que eu fale mais sobre a estrada frustrada que pode ser a vida ? Disse o velho.
- Fala! Fala! Fala! Respondeu os jovens risonhos.
- Vocês realmente querem??! ... então quem vai me pagar outra cerveja?
- Eu, eu pago, mas quero lhe fazer uma pergunta. Disse um rapaz do fundo.
- Sim, pode falar rapaz!
- Como que eu posso evitar ficar frustrado na velhice!?
- Morra cedo! (o pessoal ria que se mijava com os trejeitos do velho) Ou viva intensamente, seja um Tim Maia em vez de Roberto Carlos. Não deixe o trabalho atrapalhar sua gandaia.
- Velho, eu tenho uma pergunta! Disse outro cara.
- Pode falar, deixa uma paga aqui no balcão!
- O que o senhor acha da pobreza no país?
- Pobres? Pobres são meus bagos! Essa raça escrota que diz que come pouco, mas caga toneladas, que vivem por aí fazendo filhos e os deixando ao relento, como se não bastasse ainda criam todo tipo de animal sarnento em seus quintais mal-acabados e sujos por pura parasitagem e falta de higiene! Vivem dizendo que não têm nada, mas quando é vitima de incêndio ou enchente diz que perdeu tudo!

E assim foi durante a noite o velho bebendo afogando todo juízo e o povo pagando cerveja e ele falando suas opiniões, ele começou a se sentir especial, as pessoas davam ouvidos a suas opiniões e ainda pagavam lhe bebidas, havia achado enfim uma coisa que gostava de fazer que é reclamar, velho adora reclamar, foi como jogar milho aos pombos, as pessoas ficavam fascinadas com as palavras que saiam da boca dele. Depois de três meses freqüentando aquele bar, Ulisses acabou se transformando em uma atração, jovens tiravam fotos com ele e colocavam no Orkut, colocavam suas frases no MSN, faziam comunidades e etc...

Até que um dia no fim de uma apresentação um rapaz jovem foi falar com ele, disse que queria lhe dar um salário em troca dele dizer coisas boas à respeito de certos produtos e de certos costumes, o garoto era um jovem estagiário de uma empresa de publicidade, e assim a publicidade foi o Iceberg pra mais um majestoso Titanic.
Ulisses pensou bem, sabia de todo esquema, sabia que eles são pragas do mundo moderno que contaminam a sociedade por alguns “troquinhos”. Ulisses sabia de tudo isso, mas lembram que eu havia falado que ele se sentia como alguém que passou as férias inteiras sem fazer nada e quis viajar no ultimo dia? Realmente ele pensou bem e viu que já era tarde pra arrumar as malas continuou as férias sentado na poltrona, aceitou o acordo e assim como a grande maioria, sabia de todas as conseqüências, sabia que estaria vendendo praticamente a alma, mas arrumou um simples motivo pra justificar pra si mesmo, no caso dele foi a velhice.
Quando foi questionado sobre sua ideologia, Ulisses disse que ideologia eram os bagos dele.
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